Augusto Ruschi e a cura pela pajelança (Revista Manchete - 1986)

5 months ago

A CURA DOS PAJÉS.
CRÔNICA DE UM MILAGRE ANUNCIADO.
De Rogério Medeiros para Manchete.

Terça-feira. dia 21 de janeiro: o cientista Augusto Ruschi vai para o seu quarto, ao lado da biblioteca do Museu Mello Leitão. Tira a roupa e coloca o seu velho pijama de lã.
São quatro horas da tarde. As dores apertaram e o isolamento, segundo ele próprio, torna essas dores mais suportáveis.

Vai para a poltrona e se acomoda nela com dificuldades. As dores estão realmente apertando. Não pode ir para a cama por causa das hemorragias nasais. A mulher entra com um prato de sopa. Ele. poe de lado o prato. Diz que não tem vontade de comer. Ela sai e volta com o filho temporão, Piero. Com o menino no colo, Ruschi quer abrir um sorriso, mas não consegue.

No meu apartamento, em Vitória, o telefone toca. E do Ministério do Interior. O Ministro Costa Couto manda me consultar se Ruschi toparia um tratamento com os índios. Com o conhecimento de 20 anos do cientista, digo que não tenho dúvida alguma de que ele aceitaria. E incentivo o mensageiro do ministro a telefonar para ele.

Tento falar com Ruschi, mas é impossível.

No domingo, 26 de janeiro, a casa do sogro do cientista, no Parque da Cidade, amanheceu cheia de familiares, que vieram festejar sua recuperação. E novamente Ruschi acordava tarde e cheio de energia, sem sentir mais qualquer dor. Os índios chegaram para a ceia e as despedidas. Ruschi foi carinhoso com eles. "Quero um dia retribuir, e a melhor forma é trabalhando para a ciência, para a natureza."

Sua mulher presenteou os caciques com redes e enfeites. Eles foram embora, mas ficou para o cientista apenas um mistério: como Sapaim e Raoni, depois que tiravam veneno, faziam a substância desaparecer sob o efeito da fumaça de seu pajé-petan — fumaça com odor de mato e cor cinza-azulada. — E o mistério da cura — comentou, rindo, Ruschi.

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