Relíquias de Anchieta (O Cruzeiro, 1951)

11 months ago
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SEGREDOS E REVELAÇÕES DA HISTÓRIA DO BRASIL
AS RELIQUIAS DE ANCHIETA
ANCHIETA entre os tamoios, em Iperoig, segundo o pincel de Rafael Falco.

O Apóstolo do Brasil e sua morte - O entêrro em Vitória - Seus ossos distribuídos entre Espírito Santo, Bahia e Roma - A sua beatificação.

FOI o Padre Joseph de Anchieta o vulto mais popular entre as figuras principais da cristianização do Brasil. Pode-se colocá-lo a par do Padre Manoel da Nóbrega, imortal pelos mais valiosos títulos. Disse Azevedo Amaral que, "no desempenho do papel histórico, que o destino lhe preparara, Anchieta sobrepuja todos os outros protagonistas dêsse drama de incalculável alcance nos destinos do Brasil, por uma extraordinária combinação da fôrça propulsora do idealismo místico e de notáveis aptidões práticas e executivas".

Tinta e quatro anos após o descobrimento da Terra de Santa Cruz por Pedro !vares Cabral, nascia o apóstolo na nivaria insula, Tenerife, pérola das Canárias de onde sairia para estudar em Portugal. Queriam os fados que um dos da alma brasileira participasse das duas extraordinárias nações peninsulares, duma pelo sangue, doutra pela formação espiritual.
Que fim levaram as relíquias dêsse venerável catequista, que faleceu em vuor de santidade na terra brasileira a que dera tôda a sua existência e todo seu amor ? Guardadas algumas no Colégio da Bahia, em 1611, por determinação do Geral dos Jesuítas, Cláudio Aquaviva, ao pé do altar-mor, eram eneradas pelos devotos da cidade do Salvador e pelos romeiros que vinham de longes terras.

Conta o Padre Simão de Vasconcelos, na sua "Vida do venerável Padre Joseph de Anchieta", que, sendo tal culto vedado por um breve do Papa Urbano VIII, por não ser o morto canonizado e nem sequer ainda beatificado, dali foram removidas no ano de 1625.
Uma delas fôra, então, enviada a Roma. Em uma comunicação ao Instituto Histórico da Bahia, em 1914, Xavier Marques afirmou que, a 12 de abril de 1760, as reliquias de Anchieta existentes no Colégio dos Jesuítas do Salvador, retiradas altar-mor da igreja anteriormente, haviam sido remetidas, em virtude da expulsão dos inacianos, pelo Chanceler Tomás Roby ao Rei D. José I, em Lisboa.

Constavam de tíbias e perôneos, mais duas túnicas, em um cofre Jacarandá ornamentado ou forrado de prata. Como se vê, o poderoso Ministro, que abolira a Companhia de Jesus no Reino e suas conquistas, Sebastiao José de Carvalho, Marquês de Pombal, não quisera sequer deixar no sossego do túmulo os ossos dos que tinham cristianizado o Brasil.

Sabe-se mais que as relíquias de Anchieta tinham sido divididas, após sua morte, entre a Bahia e o Espírito Santo. Em 1855, os sócios do Instituto Historico e Geográfico Brasileiro Pereira Pinto e Joaquim Norberto propunham que a douta assembléia se dirigisse ao Govêrno Imperial, solicitando a entrega dum "Fragmento dos despojos mortais do missionário Anchieta, conservado em uma caixa com lavor de prata", no Tesouro Público da Côrte ou da Província espiritossantense, pois se não sabia bem onde se encontrava o precioso despojo.

Teixeira de Melo, comentando êsse pedido, dizia com profunda tristeza que, na antiga igreja dos Jesuítas da capital do Espírito Santo se achava vazia sob a sua lousa fúnebre a sepultura de José de Anchieta, visto como dos seus "restos mortais alguns Presidentes de Província, com mais cortezania para com os vivos do que veneração para com os mortos, tem lançado mão para obsequiar a amigos ou a altas personagens, que visitaram a igreja em que êles jaziam". Todavia, ainda em 1876, na sacristia da antiga igreja dos Jesuítas, em Vitória, havia duas caixas de prata, contendo uma delas um fragmento da canela do grande apóstolo.

A isso acrescenta Celso Vieira o seguinte: "as relíquias do Santo espalharam-se pelas capitanias do Brasil, onde se alardeava o seu poder curativo, as norte a sul, havendo sempre uma na sacristia de cada templo dos Jesuítas, que benziam com ela os vasos de água para os enfermos".
Essa dispersão fêz com que se perdessem tão preciosos despojos. A veneracao que os cercou em tempos idos testemunha a santidade que o povo brasileiro atribuía ao apóstolo canarino. Embora date de mais de dois séculos a sua beatificação, ainda Roma não o canonizou.

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