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Livro Laranja Mecânica - Anthony Burgess
Laranja Mecânica foi, desde seu lançamento em 1962, um divisor de águas. O livro, que surgiu após um diagnóstico médico equivocado e que dava a Anthony Burgess poucos meses de vida, se tornaria a síntese da sociedade contemporânea: ultraviolenta, hedonista e alienada. Alex, nosso “humilde narrador”, é a soma todas as neuroses e descasos de uma sociedade viciada e que se esconde atrás de um falso moralismo militarizado e incompetente.
O caos é a força-motriz da obra. Seus personagens são sujeitos alucinados e cuja linguagem – a nadsat – reflete a confusão de suas engrenagens e personalidades. As gírias criadas por Burguess são algo à parte, o resultado de uma intrincada confluência de referências, em especial do idioma russo. Pensando que aqueles eram os anos mais duros da Guerra Fria – com ameaças de ataque nuclear aqui e acolá –, Laranja Mecânica é uma peça irônica e audaciosa, capaz de elevar o cinismo da sociedade a um grau só alcançado por outro xamã: Kubrick – que usou esse mesmo cinismo na adaptação que fez do textos de Burguess, e que foi odiada pelo autor, e em Doutor Fantástico.
Voltando ao livro. Ao criar uma ideia de distopia menos tecnológica, e mais neoclássica, em que os jovens ouvem Mozart e Beethoven, e bebem leite, Burgess não faz de seus personagens seres menos violentos ou arredios. As lutas entre as gangues, o assalto à loja ou a invasão da casa do escritor são exemplos dos contrapontos que transformaram Laranja Mecânica em um escrutínio único da mente iconoclasta desses jovens. É como se esse espelho, com seu reflexo sempre dicotômico, oferecesse um olhar sobre a ideia de bem e mau. São duplos que pululam ao longo do texto, escancarando as diferentes possibilidades de comportamento, reação, ação e, claro, resultado.
No meio desse jardim das delícias, Anthony Burgess apresenta uma miríade de gente falha, sem pulso e reacionária. Os pais de Alex, que o recebem de volta da prisão, mas temem tê-lo em casa, são tomados de remorso porque sabem que o adolescente é a representação de seus pecadilhos. Os druguis, invejosos do protagonista, usam da força policial, uma violência institucionalizada, para tirar de si a culpa pela barbárie. E é a estética da barbárie, a violência como forma de expressão, que percorre todo o livro. Sem banalizá-la, mas como um reflexão diante do inconcebível.
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