Cenas da História a Pátria (1944)

1 year ago
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TEXTO DE MURILLO ARAUJO E DESENHOS DE H. SANTOS LUZES.

NO litoral de Vitória, numa colina, a velha igreja da Penha do Espírito Santo parece alongai para as brumas distantes das ondas um olhar perdido, através das pupilas baças das velhas janelas.
Ah, parece sonhar, o verbo templo, cochilando, em seu sono de quatro séculos! E se as pedras guardassem a memória dos dias, elas teriam o que lembrar... Seu rosário de saudades iniciou-se no ano antigo de 1558.

NESSE tempo elas eram a rocha. Não existia a igreja. Era a época em que um monge, Frei Palacios, chegara do outro lado do mar. E entronizara uma imagem da Senhora da Penha naquela gruta que ainda exism te ao pé do morro. Ali vivia o anacorêta com três rústicos amigos: um africano, já de cocuruto branco, um cão manso e um gatinho. E pregava a fé à gente simples. E rezava pelos pobres e os puros.

COMO acontece em muitas outras fendas do Brasil, a imagem da Penha começou a desaparecer da gen-te e a ser achada no alto do monte . Era a indicação de que a Virgem queria ficar pousada no alto, afinal mais perto do Céu... E o frade iniciou, com esmolas, a construção da ermida, que inauguiou pouco antes de abrigar-se ele para sempre, cerrando os olhos, noutra gruta mais funda, a da morte.

TUDO isso lembraria a igreja da Penha de Vitória, se as velhas igrejas tivessem um coração sonhador. E ela evocaria as horas de fervor o milagre... Evocaria os dias em que, estendo o povo a braços com a fome e com a sede, pois havia meses que o céu negava aos campos ressequidos uma lágrima, o povo acorreu em massa para suplicar à Virgem. E num milagre a chuva pródiga reverdeceu o mundo!

A DEVOÇÃO simples de outróra chegava mais de-pressa a Deus. E as romarias à igreja da Penha atraiam peregrinos de longe. Vinham batendo as estradas o aligeirando as marchas com ladainhas e cantos. Reuniam-se no adro do outeiro, felizes, num borborinho alegre. As bandeiras dansavam, coloridas, ao vento, e os fogos abriam rosas de luz nos ares... Comiam e bebiam tanto como oravam.

A IRMANDADE oferecia um jantar aos romeiros... Belos dias! Belas noites! Mas se as pedras lembrassem, as da Penha de Vitória recordariam tambem uma aventura heróica. Era nos tempos sombrios das invasões flamengas. Os holandeses hzviam invadido e saqueado a Bahia. Eles se abatiam vorazes sobre o Brasil pobre da outróra, colônia desamparada o humilde.

E CERTA vez a nova terrivel circulou naqueles campos: "Vão invadir Vitória! Veem ai os holandeses!" E um aluviao de sombra cresceu no evaço e nas almas. Todos os corações bateram mais forte, mais angustiadamente. E conta a tradiçao, que eles vieram um dia. E chegaram avassalando tudo. E investiam já Morro da Penha do Espirito Santo. Meu Deus!

A VIRGEM, porem, não desamparava o seu povo... E, de súbito, os ousados invasores viram surgir, ao longe, vago, em nuvens que pareciam a poeira do muitos esquadrões, a visão de um exército... cem legiões de cavaleiros! Tão viva era a apetência, que os flamengos debandaram, em panico, velozmente e em tremenda ?????... Derrotados!

E ENTAO o exército que tinham visto antes se mudou em simples névoas, que se adelgaçaram nos ares. E se névoas foram passando... e fugiram ao vento... E entre elas rompeu, pos fim, vitorioso, um sol de glória. A Virgem da Penha vencera: salvara o povo de seus fieis... Eis aí velhas lendas saudosas, que fazem a velha ermida chorar pelas goteiras...

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