DISCRIMINAÇÃO NO TEATRO VIRA INQUÉRITO NA POLÍCIA

1 year ago
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Neste 51º episódio da coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado FM (107,3), falo sobre as acusações contra o ator e diretor Luciano Chirolli, denunciado à polícia por discriminação e ofensa a duas pessoas com síndrome de Down. E comento a reação do governo brasileiro à situação vivenciada pela senadora Mara Gabrilli na Suíça.

A 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência de São Paulo instaurou inquérito para apurar a denúncia apresentada no dia 23/8 por Beatriz Campinho e Ariel Goldenberg, ambos com síndrome de Down, contra o ator e diretor de teatro Luciano Chirolli. A informação foi confirmada ao blog Vencer Limites nesta segunda-feira, 29, pela advogada Isabel Campinho, que representa o casal na ação.

Luciano Chirolli, de 60 anos, é acusado de discriminar e ofender Beatriz e Ariel dentro da TUCARENA, que faz parte do TUCA, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Segundo o casal, no último domingo, 21/8, no encerramento da peça 'Longa Jornada Noite Adentro', que tem o artista no elenco, Chirolli saiu do palco e subiu as escadas da plateia até onde estavam os namorados porque, supostamente, os dois falaram alto durante o espetáculo.

“Ele veio diretamente na nossa direção, parou na nossa frente, disse que não deveríamos estar naquele lugar e que não tinhamos postura para assistir aquela peça”, contaram Beatriz e Ariel em entrevista exclusiva ao blog.

Chirolli nega as acusações, as quais chamou de "infundadas e inverídicas" em uma nota apresentada ao blog por meio de um advogado (leia a íntegra), mas ao menos cinco relatos por escrito sobre a situação que foram enviados ao blog confirmam as afirmações do casal.

O ator e escritor PC Marciano fez uma descrição detalhada: “Ele olhou fixamente para Beatriz e disse as seguintes palavras: ‘Vocês atrapalharam o espetáculo inteiro, isso aqui não é para vocês. Faça um favor, nunca mais vá ao teatro, isso não é para vocês’. Eu interrompi falando: ‘Você tá louco?’, ele não me olhou, virou as costas e desceu para o tablado", disse Marciano (leia a íntegra).

Chirolli publicou a mesma nota em seu perfil no Instagram e, nos comentários, que são muitos, tem sido aplaudido, elogiado, afagado e celebrado por colegas, inclusive famosos, apenas por ter se manifestado a respeito do caso e negado as acusações. Essa postura, aliás, fez com que as famílias de Beatriz e Ariel recusassem qualquer novo contato com o ator e até mesmo um eventual pedido de desculpas, que provavelmente não seria feito.

Um dos comentários no post de Chirolli mostra como a denúncia à polícia e o inquérito serão pedagógicos. Não vou revelar o autor. "Quem levou duas pessoas com Down para uma peça complexa sem supervisão? Quem deve se desculpar é quem inventou de levar estes Downs?", escreveu um apoiador. O próprio Luciano Chirolli, segundo os relatos, teria dito que Beatriz e Ariel "não podiam estar ali sozinhos, teriam que estar acompanhados pelos pais". Nos dois casos, desmonstram pouco conhecimeto a respeito da autonomia e da independência de pessoas com deficiência, além de serem profundamente capacisitistas.

Beatriz Campinho tem 25 anos, é atriz de teatro, escritora e palestrante. Está concluindo um livro sobre inclusão. Ariel Goldenberg, de 41 anos, também é palestrante, ator de teatro, cinema e televisão. Em 2012, ganhou um Kikito especial do juri na 40ª edição do Festival de Cinema de Gramado pelo filme ‘Colegas’.

É fato que, no teatro, a plateia tem de se manter em silêncio e respeitar o trabalho dos artistas no palco, prestar atenção no conteúdo, apreciar a encenação e refletir sobre a mensagem apresentada, assim como é fundamental que os artistas tratem com respeito quem está lá, por livre escolha, para assistir.

O que justifica uma reação tão agressiva, mesmo se fosse contra pessoas sem deficiência? Agressão verbal também é agressão, assim como seriam um tapa, um soco ou um chute. Afirmar que um pessoa com síndrome de Down tem de ser supervisionada, acompanhada pelos pais, controlada, é discriminatório e preconceituoso, punível com multa e até prisão, conforme estabelece o artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015). Sim, existe uma lei federal, válida em todo o País, que protege os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência.

Sendo a discriminação uma intenção, ou não, agora é para a polícia que as explicações serão ditas. E vale destacar que a 1ª Delegacia da Pessoa com Deficiência de São Paulo é muito competente e especializada, trata discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência rigor da lei.

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A equipe da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) informou que, na noite de sexta-feira, 26/8, o ministro das relações exteriores, Carlos França, conversou pessoalmente com o embaixador da Suíça e com o embaixador da Alemanha no Brasil sobre a situação vivenciada pela parlamentar no aeroporto de Zurique, na Suíça, no domingo, 21/8.

Mara Gabrilli (PSDB), que concorre à vice-presidência da República na coligação da também senadora Simone Tebet (MDB), faz parte do Comitê da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ela foi eleita em 12 de junho de 2018 para integrar esse comitê em um mandato de quatro anos (2019/2023), não recebe salário, não tem privilégios e participa de duas reuniões semestrais em Genebra (Suíça), cada uma com 20 dias de duração. A ONU banca a passagem e a estadia durante o encontro. Não há custo para o integrante nem para o País.

A senadora é tetraplégica e usa uma cadeira de rodas motorizada. Quando o avião pousou em Zurique, a cadeira de rodas da senadora brasileira havia desaparecido e, mesmo assim, conforme relatou nas redes sociais, pediram para que ela deixasse a aeronave imediatamente. “Ao me negar a sair, me acusaram de atrapalhar o embarque de outros passageiros, que ‘precisavam ir pra casa’, como se eu valesse nada e não quisesse o mesmo. Após aguardar por mais de 1h30 dentro do avião, encontraram a cadeira mais danificada, pois já tinham quebrado na ida”.

Segundo o comunicado, o ministro solicitou que os embaixadores entrem em contato com as suas respectivas chancelarias "para mudar a conduta das companhias aéreas em relação à acessibilidade e às pessoas com deficiência, e adotem boas práticas previstas nas legislações".

A equipe de Mara Gabrilli também informou que o Itamaraty instruiu a delegação do Brasil em Genebra para que o representante permanente brasileiro, o embaixador Tovar da Silva Nunes, se reúna com a chefe do Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, para que ela condene publicamente o caso.

Cinco centímetros - Neste domingo, 28, nos estúdios da Band, antes do debate presidencial, outro problema enfrentado por Mara Gabrilli mostrou como a falta de entendimento sobre acessibilidade coloca pessoas com deficiência em risco constante. Na entrada da emissora foi instalado um tablado para que os candidatos concedessem entrevistas aos jornalistas. Essa plataforma tinha aproximadamente 5 centímetros de altura, mas não havia rampa, o que exigiu uma 'força tarefa' de quatro pessoas para colocar a cadeira de rodas sobre o tablado. Gabrilli publicou o momento no Instagram para mostrar como um pequeno desnível, para uma pessoa tetraplégica, é uma barreira substancial.

Senadora escreveu no Instagram: "A falta de acessibilidade é um problema crônico no Brasil. As barreiras estão em inúmeros lugares, até no espaço de debate à presidência da República. Não queremos pedidos de desculpas, mas ações práticas: cumpram a Lei. Milhões de brasileiros invisíveis sofrem esse tipo de discriminação todos os dias porque falta de acessibilidade é discriminação. E discriminação é crime!".

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