Programa Lendo e Comentando (#6): Viagem Espírita em 1862
Trecho estudado:
Por desinteresse moral entendemos a abnegação, a humildade, a ausência de toda pretensão orgulhosa, de todo pensamento de dominação à custa do Espiritismo. Seria supérfluo falar do desinteresse material, tanto por uma questão de princípio quanto por havermos constatado, em toda parte, uma repulsa instintiva contra qualquer ideia de especulação, que seria vista como um sacrilégio. Os médiuns interesseiros e profissionais são desconhecidos nos lugares que visitamos, à exceção de uma única cidade, que conta com alguns. Aquele que, em Bordeaux ou alhures, fizesse profissão de sua faculdade, não inspiraria a menor confiança; muito ao contrário, seria repelido por todos os grupos, sentimento que pudemos constatar de maneira notável.
Um outro sinal característico dessa época é o número incalculável de adeptos que nada viram e que, nem por isso, deixam de ser menos fervorosos, simplesmente porque leram e compreenderam. Esse número aumenta sem cessar. Em Cette, por exemplo, só conhecem os médiuns por ouvir falar e através de livros; não obstante, é difícil encontrar-se mais fé e mais fervor. Um deles nos perguntava se essa facilidade em aceitar a Doutrina pela simples teoria era um bem ou um mal; se era própria de um Espírito sério ou superficial. Respondemos-lhe que é um indício da facilidade em compreendê-la; que, como qualquer outra idéia, pode ser inata, bastando uma fagulha para despertá-la de seu estado latente. Essa facilidade em compreender denota um progresso anterior nesse sentido; seria leviandade aceitá-la sob palavra e cegamente. Já o mesmo não se dá com aqueles que não a adotam senão depois de haverem estudado e compreendido: veem pelos olhos da inteligência o que outros só veem pelos olhos do corpo. Isto prova que ligam mais importância ao fundo que à forma; para eles a filosofia é o principal, não passando as manifestações de simples acessório. Essa filosofia lhes explica o que nenhuma outra foi capaz de explicar e lhes satisfaz a razão pela lógica, preenchendo o vazio da dúvida; isto lhes basta. Eis por que a preferem a qualquer outra.
É raro que aqueles que se incluem nessa categoria não sejam bons e verdadeiros espíritas, desde que neles existe o germe da fé, sufocado momentaneamente pelos preconceitos terrenos. Para uns, as provas materiais são fundamentais; para outros, bastam as provas morais. Por outro lado, há criaturas que não se convencem nem por umas nem por outras, característica que permite diagnosticar a natureza de seu espírito. Em todo caso, pouco se pode esperar dos que dizem: "Só acreditarei se tal ou qual coisa se produzir", e absolutamente nada dos que, julgando-se superiores, não se dão ao trabalho de estudar e observar. Quanto aos que dizem: "Ainda que eu visse não acreditaria, pois sei que é impossível”, é inútil falar deles e, mais inútil ainda, perder nosso tempo com eles.
Sem dúvida, já é muito acreditar, mas apenas a crença não é suficiente, se não leva a resultados. Infelizmente há muitos nessa situação, isto é, pessoas para quem o Espiritismo não passa de um fato, de uma bela teoria, uma letra morta que não conduz a nenhuma mudança, nem no seu caráter, nem em seus hábitos. Mas, ao lado dos espíritas simplesmente crédulos ou simpáticos à ideia, há os espíritas de coração, e nos sentimos felizes por haver deparado com muitos deles. Vimos transformações que se poderiam dizer miraculosas; recolhemos exemplos admiráveis de zelo, abnegação e devotamento, numerosas demonstrações de caridade verdadeiramente evangélica que, com justa razão, poderíamos chamar: Belos traços do Espiritismo. As reuniões compostas exclusivamente de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais fala o coração, também apresentam um aspecto muito especial; todas as fisionomias refletem franqueza e cordialidade; nós nos sentimos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos da fraternidade. Tanto quanto os homens, os Espíritos aí se comprazem, mostram-se mais expansivos e transmitem suas instruções íntimas. Naquelas, ao contrário, em que há divergência de sentimentos, onde as intenções não são inteiramente puras, em que se nota o sorriso sardônico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, em que se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre mal-estar, constrangimento e desconfiança. Em tais ambientes os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes paralisados pela influência dos maus fluidos, que pesam sobre eles como um manto de gelo".
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