O Homem que Era Quinta Feira, um pesadelo G K Chesterton #81 Por Armando Ribeiro Virando as Pág

2 years ago
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Livro âncora do Mês de Novembro.
“Tentei criar uma nova heresia; mas, quando já lhe aplicava os últimos remates, descobri que era apenas a ortodoxia.” G.K. Chesterton

O Homem que era Quinta-feira, uma obra-prima de G. K. Chesterton, desenvolve-se ao redor de dois dos mais profundos de todos os mistérios teológicos: a liberdade da vontade e a existência de um mal compacto e irracional. Os dois mistérios são intimamente relacionados.

Na fantasia cômica de Chesterton, à qual ele intitula “Um Pesadelo”, o livre arbítrio é simbolizado pelo anarquismo. A liberdade do homem de fazer coisas perversas, como disseram Agostinho e tantos outros teólogos de todos os credos, é o preço que pagamos pela liberdade. Se nossas ações fossem inteiramente determinadas pela forma como a hereditariedade e o ambiente influem em nosso cérebro, seríamos meros autômatos com genuíno livre arbítrio ou autoconsciência – dois nomes para a mesma coisa – não maiores do que um aspirador de pó. Porém não somos autômatos. Temos um conhecimento do bem e do mal, e uma liberdade de escolha, dentro de limites, é claro, entre ambos. De alguma forma, nossas escolhas não são totalmente determinadas, e, mesmo assim, de alguma forma também não são ao acaso, como se fossem feitas jogando minúsculos dados dentro de nossas cabeças. Este é o obscuro e impenetrável paradoxo da vontade e da consciência. “Entendi tudo”, grita Gabriel Syme no último capítulo do livro. “Por que cada coisa na terra faz guerra contra todas as outras? … Para que cada coisa que obedece à lei possa ter a glória e o isolamento do anarquista”.O movimento anarquista da época de Chesterton, com seus fanáticos atiradores de bombas, felizmente desvaneceu-se, mas anarquistas individuais permanecem entre nós. Um Timothy McVeigh explode um prédio federal porque odeia o governo federal. Um Ted Kaczynski explode estranhos porque odeia a tecnologia moderna. Extremistas islâmicos explodem prédios e aviões porque odeiam Israel e os Estados Unidos. Católicos e protestantes irlandeses explodem bombas porque se odeiam uns aos outros. Estes são alguns dos horrores com que pagamos pelo misterioso dom do livre arbítrio.”

Henry James, o pai de William, disse-o eloquentemente em uma carta citada por Ralph Barton Perry no primeiro volume de seu Pensamento e Caráter de William James (1935, p. 158): “Pense em uma existência espiritual tão lânguida, tão descorada, tão miseravelmente melancólica e sem vida como esta; uma existência presidida por uma deidade sentimental, uma deidade de coração tão estreito, mente tão fraca e tão amolecida que fosse incapaz de criar homens semelhantes a deuses, com mãos e pés para fazer seu próprio trabalho e seguir seus próprios caminhos, e se contentasse, portanto, em criar animais espirituais sem outras funções que as de deglutição, digestão, assimilação… Estas criaturas não teriam uma vida. No máximo, elas mal existiriam. Vida significa individualidade ou caráter; e a individualidade e o caráter nunca podem ser conferidos, nunca podem ser comunicados por uma pessoa a outra, mas devem ser interiormente forjados pela diligente e dolorosa subjugação do mal para entrar na esfera da atividade individual. Se Deus fizesse meramente sacos espirituais aos quais pudesse encher com seu próprio sopro por toda a eternidade, então é claro que o mal poderia ser deixado fora da experiência da criatura. Porém ele detesta sacos, e ama apenas os homens, feitos à sua imagem em coração, cabeça e mãos.

As 168 pessoas assassinadas pela bomba de fertilizante de McVeigh foram mortas de forma tão irracional quanto se um terremoto tivesse demolido o edifício. E isso nos leva ao outro profundo mistério do pesadelo de Chesterton, o mistério do mal natural. É claro, isso não é mistério para um ateu. É apenas o modo como o mundo é. Mas, para o crente de qualquer fé, é o mais aterrorizante dos enigmas. Como pode um Deus todo-poderoso e benevolente permitir tanta dor desnecessária? Como Gogol pergunta a Domingo, como uma criança pequena questionando sua mãe, “eu queria saber por que sofri tanto”.

A forma possível pela qual um crente pode escapar ao ataque do ateu – Deus é malévolo ou não há Deus – é ver a Natureza como as costas da realidade. Para além do que Lord Dunsany gostava de chamar “os campos que conhecemos”, há um reino oculto, maior e completamente diferente. A lógica não consegue provar sua existência, e a ciência é impotente em seus esforços por penetrá-lo, mas por um salto da fé podemos escapar ao desespero esperando por uma vida além-túmulo onde Deus irá, de alguma maneira completamente além de nosso entendimento, retificar as loucas injustiças dos campos que conhecemos.

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