Silicone XXI Alfredo Sirkis #104 por Armando Ribeiro Virando as Páginas

2 years ago
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Lançado em 1985

Mais conhecido como autor do relato de resistência Os carbonários, de 1981, Alfredo Sirkis foi militante estudantil, guerrilheiro, exilado, anistiado, fundador do Partido Verde no Brasil e deputado federal com vários mandatos. Seu primeiro e único romance, Silicone XXI, inaugura o tupinipunk, subgênero que combina elementos do cyberpunk (menos por suas realizações, e mais por suas influências em comum) com tendências do modernismo, do tropicalismo e da literatura pop nacional. Depois dele vieram livros como Santa Clara Poltergeist (1991), de Fausto Fawcett, Piritas siderais (1994), de Guilherme Kujawsky, e Distrito Federal (2014), de Luiz Bras.

Silicone XXI tem capa e ilustrações internas realizadas pelo artista franco-brasileiro de quadrinhos Al Voss, conhecido por colaborar com as revistas Métal Hurlant / Heavy Metal. Ambientada em 2019, a narrativa, quando não é abertamente cômica, é de burlesco baixo no seu tratamento de assuntos sérios, com leveza: um matador em série vem assassinando homossexuais com uma pistola laser privativa das forças armadas. Isso leva à investigação de uma operação secreta para exportar materiais nucleares a organizações terroristas no exterior e, mais tarde, a uma conspiração para envenenar com material radioativo a água potável do Rio de Janeiro.

Os protagonistas são o inspetor Zé Balduíno, policial negro de cinquenta e dois anos, e Lili “Brag” Braga, repórter televisiva de vinte e cinco anos, loura e sexualmente liberada, implacável na busca de notícias − uma espécie de antecessora da personagem Marcelina Hoffman do romance de Ian McDonald, Brasyl (2007), que seria chamado de tupinipunk pelo crítico Gary K. Wolfe da revista Locus. O vilão é Estrôncio Luz, ex-militar quarentão transformado em serial killer determinado a destruir o mundo. Seu nome é referência ao elemento radioativo estrôncio-90, e Sirkis o baseou no odioso general Newton Cruz, conhecido linha-dura dos tempos da ditadura, para satirizar a atitude de machismo estereotipado militar, ao dar ao vilão tendências homossexuais reprimidas (que ele abafa matando outros homossexuais) e um enorme pênis de silicone.

Há muito do espírito da literatura brasileira da década de 1970 no livro de Sirkis, principalmente com a referência às ideias tropicalistas e a inclusão de palavrões, sexo, referências pop e mudanças do tempo narrativo (do presente ao pretérito) e de pontos de vista. Mas em certos momentos soa como a prosa sobrecarregada de informações da escola cyberpunk, com algo de brasileiro misturado: “Favo de mel fosforescente, gorda margarida de neon no penhasco entre os seios de Dois Irmãos, com aquele letreiro de lasers coloridos dançando no céu de piche. A aproximação se dá por pouso automático na freqüência 36 TX.”

Mais importante, a ciência consegue fornecer alternativas econômicas e os seus paradigmas se misturam naturalmente com a espiritualidade. As pessoas são fundamentalmente boas − exceto por um bolsão de reacionários que acreditam no poder real e simbólico das armas atômicas. O impulso utópico de um Brasil mais pacífico e verde está em uma nova cultura que surge nas áreas rurais, comunidades que combinam alta tecnologia e práticas religiosas. Exemplifica o multiculturalismo tupinipunk no sincretismo e na mistura cultural. Um dos melhores exemplos do subgênero.

Roberto de Sousa Causo é ficcionista e pesquisador, autor de Shiroma: matadora ciborgue, entre outros livros.

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