ANTIGA LENDA DA MULHER QUE VIA O CAPETA

2 years ago
17

Em qualquer lugar do Amapá, o encontro com o mistério é certo. À noite as conversas se tornam cada vez mais interessantes e versam quase sempre sobre as crendices ou algo inusitado vivido por alguém. Como o acontecido com dona Joaquina, A MULHER QUE VIA O CAPETA.

Esta lenda é antiga e bastante conhecida nas cidades do interior amapaense. É sobre uma mulher que, segundo a crendice popular, conseguiu ver o capeta.

Dona Joaquina como era conhecida, nunca havia casado ou pelo menos arrumado um pretendente durante os mais de 50 anos de vida. Se dedicava a cuidar de um cachorro que tinha em casa, o qual tratava como se fosse seu próprio filho.

Certo dia dona Joaquina estava conversando com uma comadre quando citou seu cãozinho de estimação. Entre um assunto e outro, a mulher comentou que se alguém usasse a sebosidade dos olhos de um cão para passar em seus próprios olhos, conseguiria então ver as coisas que seu cachorro vê, e inclusive o próprio capeta.

Dona Joaquina ouviu tudo atentamente, sem perder uma só palavra e depois perguntou se a amiga conhecia alguém que tivesse feito aquela experiência.

(Joaquina)
- Comadre, tu conhece alguém que já fez isso?

(Comadre)
- Ora, claro que não. Quem iria se prestar a uma coisa dessas?

Dona Joaquina se despediu da comadre e voltou para casa. No fundo de sua mente uma idéia tomava forma. Ao chegar em casa ficou matutando sobre o assunto. Há muito observava que seu cachorrinho ficava latindo a noite, e lembrou que quando criança, ouvia histórias a respeito dos cães. Uma delas era que os cachorros viam muitas misuras durante a noite e por isso latiam para alertar seus donos ou espantar assombrações.

– Seria tão bom se eu pudesse ver pelos olhos do meu cachorro.
– pensava ela.

Naquela noite, não aguentando mais a curiosidade, dona Joaquina tirou a sebosidade dos olhos do cãozinho para passar nos seus. Untou apenas o olho esquerdo, para poder distinguir assombração da realidade. Imediatamente sua vista se turvou e ela passou a perceber coisas estranhas, como vultos que andavam pelas ruas.

Dias depois, durante uma briga em frente à sua casa que ela percebeu algo estranho. Dois bêbados se degladiavam quando ela viu uma terceira pessoa, toda vestida de preto, dois chifres na testa e um tridente na mão, que usava para instigar os adversários.

– Louvado seja Deus!
É o capeta!
Sai de retro, Satanás!

Com os gritos da mulher o capeta sumiu e os bêbados fizeram as pazes. Dona Joaquina percebeu que durante a menção dos nomes divinos o capeta fugia.

Durante os dias que se seguiam, lá estava Dona Joaquina onde quer que houvesse uma desavença, em voz alta repreendia o capeta:

– Ave Maria, sai de retro, Satanás!

O olho esquerdo de Dona Joaquina ganhou fama e ela era chamada até na delegacia onde um policial costumava ouvir vozes vindo das celas onde não havia ninguém preso, nas casas onde marido e mulher estivessem discutindo,
nas boates onde as garotas se prostituíam, sempre com seu grito de guerra:

– Ave Maria, sai de retro, Satanás!

E o capeta não ficava para esperar outra conjuração.

Em um belo dia bateu em sua porta um moço muito bonito, bem vestido e chapéu na mão.
Dona Joaquina empertigou-se, ficou toda sorrisos e foi logo colocando o rapaz em sua sala. Depois de horas de uma agradável conversa, ela terminou contando a ele que um de seus olhos tinha a capacidade de ver coisas estranhas que não deveriam estar lá.

(Moço)
– Com qual dos olhos você consegue ver essas coisas?

(Joaquina)
– Com o esquerdo.

Mais que depressa o moço esticou as unhas e furou o olho de dona Joaquina, revelando-se o próprio capeta.

Loading comments...